quinta-feira, 21 de maio de 2015

IMPACTO DA DEPRESSÃO ADOLESCENTE NA FAMÍLIA


“DESTRUIR A ARMADURA: BREVE CONTO SISTÉMICO FAMILIAR – TENTATIVA DE SUICÍDIO DE UMA ADOLESCENTE E O ENCONTRO COM A FAMÍLIA”


Utilizando as palavras de outro terapeuta familiar “fazer terapia não é resolver problemas ou corrigir erros, mas mergulhar no mistério das famílias e do encontro” (Ausloos).

Tentarei demonstrar-vos esse encontro recorrendo a uma família sujeita a uma fonte de stress devido a depressão de um familiar, uma adolescente. De referir que, neste caso, a família vive um momento imprevisto, que ocorreu inesperadamente.

Era uma vez uma família de 4 elementos que vivam numa “armadura”.
A mãe, 55 anos, doméstica, de olhos azuis carregados e tristes, o pai 57 anos, técnico de electricidade, de olhar igualmente pesado. As filhas, Maria de 15 anos e Sónia de 30. A Sónia já se autonomizou, casou “jovem” para “fugir” às regras dos pais. Os seus olhares fixam-se no chão, evitando o encontro.


Vêm encaminhados pela psicóloga de Maria, pois fez uma tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa há cerca de 3 semanas e a família não sabe o que fazer nem como reagir. “Ela passa o dia inteiro de olhar vazio, não dorme, não quer comer, depois irrita-se comigo, se a contrario grita que quer morrer”, verbaliza a mãe, invadida por queixas físicas e somáticas, “o meu coração não aguenta, a minha tensão dispara”. A mãe decidira construir a sua armadura, onde os medos e receios encontravam lugar acolhedor no seu corpo, traduzindo-se em dores físicas.
O pai, homem robusto, de mãos marcadas pelo trabalho no campo, “não sei o que se passa com ela, tem tudo, damos-lhe tudo, trabalhamos no duro e ela faz isto, fica assim, não é forte”. Decidira também ele construir a sua armadura, onde imperava a ideia de que sentir-se deprimido é para os menos fortes, inibindo toda a sua tristeza, só perceptível ao olhar mais atento e profissional, refugiando-se no trabalho.
A irmã, de expressão frágil, “não sei porque não me pede ajuda, sei que a adolescência é difícil mas isto de querer morrer, não percebo” (e chora). A sua armadura era a do evitamento, passando longos períodos sem dar notícias à família, recorrendo a alimentos para, psicologicamente, se saciar de vazios familiares sentidos.
A Maria, de olhar triste mas postura altiva e um pouco arrogante, “vocês não entendem, estou farta de tudo, não aguento mais”. Descreve-se como uma pessoa triste mas que não demonstra, “mostro que sou forte, que não brincam comigo”, substituindo a tristeza pela irritabilidade e raiva na relação com os outros. Não gosta da sua imagem, sente-se gorda, “burra” e inferior. Construiu a armadura mais sólida recorrendo a todos os materiais encontrados, escondendo e privando o seu corpo de alimentos, a sua vida de amor e afecto. Isolou-se. Foi assim que desejou e quis morrer.

A família apresenta-se exausta, onde impera o medo da morte de Maria, inibindo os familiares de verbalizações espontâneas com receio do que possam despoletar.
Encontram-se dominados pelo medo, medo que os aprisiona num espaço solitário, onde cada um sofre isoladamente, acreditando que a comunicação familiar sobre o mal-estar poderá agravar o estado de Maria.
Construíram desta forma uma armadura, na esperança de protecção da família, respondendo aos desejos imediatos da adolescente.

No trabalho com esta família era urgente destruir a armadura de forma a cada um expressar-se livremente.
E assim fomos, bem devagarinho, ajudando a família na sua comunicação, na verbalização dos afectos e na imposição de limites na relação com a adolescente.
O pai foi o primeiro a destruir a sua armadura, quis livrar-se dela por já estar muito pesada. Substituiu por apoio e firmeza na relação com a filha e passou a trabalhar apenas o necessário.
A mãe foi a seguinte, o seu corpo deu sinais de melhoria, deixou as queixas físicas e passou a não ter receio de contrariar a filha.
A irmã conseguiu aproximar-se da família, mantendo-se mais presente e constante. Até emagreceu.
A Maria, que era quem transportava a armadura mais pesada, ainda não a deixou completamente.
Continua a sentir que por vezes precisa dela... Está mais leve, já não a usa todos os dias...
Decidiu não morrer!

A família reorganizou-se após a crise, alterou a sua dinâmica relacional, modificou os estilos de comunicação, onde o tema do sofrimento e desejo de morte da filha deixaram de ser tabu.
Foram necessários vários encontros com os familiares, ajudando-os na expressão dos medos e angústias e transmitindo o que são episódios depressivos e o que fazer em caso de risco de nova tentativa de suicídio.
Foram activadas as competências da família, os seus recursos levando ao crescimento, transformação e evolução.

É de salientar que muitas crises são favoráveis, no sentido que representam a mudança de que algo de importante e mais sadio, se transforme nas relações familiares.
Em última análise, as famílias diferenciam-se na forma como são capazes de elaborar as crises, ou seja, as vias que lhes permitam a reestruturação que os faz avançar no caminho da co-evolução (Minuchin, 1979, Alarcão 2000).






















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